segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Os Surdos Mudos (Paulo de Tarso)

(Paulo de Tarso)

“Tornou a retirar-se do país de Tiro e foi por Sidon ao lago da Galileia, atravessando o território da Decápole.
“Trouxeram-lhe então um surdo-mudo e lhe rogaram pusesse a mão sobre ele. Jesus tomou-o à parte, fora do povo, pôs-lhe os dedos nos ouvidos e tocou-lhe a língua com saliva. Depois levantou os olhos ao céu, deu um suspiro e disse-lhe:”Ef-fetha!” – Quer dizer: Abre-te!
“Imediatamente se lhe abriram os ouvidos e soltou-se-lhe a prisão da língua, e falava corretamente. Jesus, porém, os proibiu de que o dissessem a pessoa alguma; mas, quanto mais lho proibia, tanto mais o divulgavam. Cheios de pasmo, diziam: “faz bem todas as coisas; faz ouvir os surdos e falar os mudos”. Marcos (7 – 31-37)

A origem da parábola deve ser buscada na Grécia, onde não passava de simples ilustração ou nota explicativa. À medida que evoluiu na história literária, a parábola passou a incluir a comparação de um objeto real com o conceito abstrato que se pretende transmitir, mediante semelhanças apropriadas à clara compreensão. Este instrumento era usado em abundancia na antiguidade, dada a incapacidade geral da população em adquirir conhecimento pelos meios naturais da coleta, interpretação e associação de dados concretos. Nos textos bíblicos, foi este o instrumento mais utilizado para expressar as lições proferidas pelo Grande Mestre.
Tal qual uma geladeira que pereniza as condições naturais da informação ao longo do tempo, as parábolas vem se ajustando ao sabor da leitura, dada a capacidade e desenvolvimento de quem a interpreta, adquirindo adiantamento e atualidade sem jamais tornar-se obsoleta ou infundada.
Assim, ao lermos uma parábola, temos a nítida impressão de estarmos diante de um fato, uma coisa concreta que aconteceu, percebendo ali uma certa noção de milagre, de fantasia, tão admirados pela nossa espécie humana.
Para uns, história e, para outros, estória. Base de fé ou descrença, usados como instrumentos para construir ou destruir argumentos sólidos que fundamentam as crenças e as religiões, tais fatos necessitam de uma leitura correta, em respeito a todo o legado histórico deixado por aqueles pensadores que ousaram advertir a humanidade dos perigos da não observação do seu lado transcendente, os quais nos levam quase sempre ao niilismo da nossa existência.
No caso do Surdo-Mudo, observamos um fato: História ou Estória? ; Teria Jesus curado uma deficiência física com o toque das mãos? ; Precisava ele dos milagres para se fazer credor da atenção dos seus observadores?
Muitos de nós achamos que sim. Que os fenômenos são mais importantes do que a essência dos ensinamentos, daí a necessidade de vermos as estórias como Histórias. Vejamos o item 06 da conclusão de O Livro dos Espíritos, quando o Codificador é claro quando afirma que:

“Falsíssima ideia formaria do Espiritismo quem julgasse que a sua força lhe vem da prática das manifestações materiais e que, portanto, obstando-se a tais manifestações, se lhe terá minado a base. Sua força está na sua filosofia, no apelo que dirige à razão, ao bom-senso.”

O autor do evangelho de Marcos (pode ter sido o mesmo ou não, pouco importa) congelou na estória do surdo-mudo uma revelação: Jesus tocou o “ouvido” com as suas palavras de amor e paz e destravou a língua daquele simples homem para que falasse a todos das boas novas, e assim todos pudessem tomar ciência de tudo. Um fato que pode acontecer aos milhares, e continua acontecendo até hoje, sem que nos demos conta. A transformação interior (não seja apenas um disseminador de palavras não sentidas) não foi dique forte o suficiente para conter o rio da imensa alegria pelos seres transformados, daí porque todos falavam.
Surdos-mudos somos quando não vemos e ouvimos as mensagens diárias emanadas pelo Supremo. Quando um novo nascer do sol nos convida a uma nova vida; quando um sorriso sincero nos é ofertado sem nada pedir em troca; pela mão caridosa que nos toca o coração pedindo paz; quando um amigo nos carrega nos momentos de fraqueza; quando nos levantamos sem nos darmos conta de quanto somos capazes. Ao tocar-nos com a sensibilidade de ver e ouvir, sentimos o que muda em nós, operados no milagre da cura, sem que isto em nada contrarie a natureza e seus princípios  fundamentais.
Ao firmar as bases das nossas crenças no concreto sem vermos o que se desenrola por baixo dos nossos panos, perdemos o tempo na escuridão do fantasioso e derrapamos nos descaminhos da nossa ignorância. Somos surdos-mudos tocados constantemente pela vida, sequencia dos trabalhos de Deus. Assim modificamos, assim crescemos. Esta simples parábola encerra o grandioso movimento de crescer pelo aprendizado, pela reflexão, pelo auto aprimoramento do Espírito que vive. Olhando assim, Jesus ainda vive entre nós, simbolicamente nos tocando aos olhos e ouvidos, simples andarilhos surdos mudos que somos, na busca incessante por acender em nós a chama de Deus, clareando a visão, audição, todos os sentidos, para que nos tornemos instrumentos da disseminação da paz e do amor, através do nosso testemunho de transformação a que nos submetemos sempre que estamos abertos às mudanças que a vida nos oferece. Surdos passam a ouvir e mudos a gritar.
Tempos de paz ainda virão em que seremos agentes deste tipo de mudança, transformando os nossos irmãos em ouvintes e falantes compulsivos pelo toque generoso da nossa ação caridosa, pelo que necessitamos apreender das parábolas e do seu atual entendimento, o real papel do cidadão em um mundo em transformação para regeneração e fraternal felicidade.

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