quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Porquê sofremos? (Paulo de Tarso)

Uma pergunta frequente que nos visita a consciência desde as mais priscas eras é o porquê encarnamos? Olhando em uma perspectiva racional, encarnamos para que seja dada ao espírito a condição carnal como forma de aprimoramento das suas pulsões emocionais e orientação das suas condições de interação com o universo. Mas, por que então o divino não nos criou perfeitos, tal qual a sua imagem e semelhança? Por que nos deixou aventurar pelas incertezas do intelecto, ávidos por respostas que só viriam após imensa dor? Por que Sofremos tanto?
Existem inúmeras respostas para estas perguntas. Na visão espiritualista cristã, a depuração pela dor seria o caminho evolutivo natural, um alerta para reflexões acerca dos nossos acertos e erros. A dor é o despertador da alma. Quando escolhas insensatas forem adotadas, a dor vem em sinalização de ajustes necessários. Do contrário, o sentido correto estaria sendo dado ao nosso caminho. Já na visão materialista do corpo físico, a dor é um sentimento nato de todo ser que vive, sendo aquelas provenientes dos conflitos internos depuradas por terapias que buscam o encontro do ser com a sua realidade intima, repaginando as impressões negativas que o atordoam. Em um corpo com desequilíbrio neuroquímico, vale também, além das terapias, o quimismo das drogas de reequilíbrio, hoje amplamente utilizadas.
O certo é que a dor e o sofrimento foram feitos para todos. Certa feita um monge foi procurado por uma senhora que carregava em seus braços um filho morto. Ao se deparar com o mestre, a senhora lhe solicitou que operasse o milagre da ressuscitação do filho, dado que não aguentaria sua falta. Chorava pela desgraça que se abateu sobre sua cabeça, se sentindo a mais desventurada das criaturas. O Monge, impassível diante desta situação, ordenou que ela voltasse à vila e encontrasse um grão de mostarda em uma casa onde a morte jamais houvesse visitado. Com esperanças renovadas, a senhora voltou à vila e, de casa em casa, foi em busca da semente redentora. Após perscrutar todas as casas sem sucesso, voltou ao monge e, sem nada dizer, pegou seu filho no colo levando-o à sepultura, sem mais nada pensar sobre o peso da sua sorte.
Em um mundo onde tudo é percepção, usamos os sentidos e a inteligência para o exercício das interações com as pessoas e coisas. O tempo e o espaço são sensações que, analisadas por uma inteligência, tomam forma e conteúdo. Por conta disto, há relatividade no passar do tempo e no perceber das coisas. Achamos um mundo que corresponde às nossas expectativas e impressões e, por isto, existe um deles para cada um de nós. Se o mundo fosse uma realidade absoluta e concreta, todos o veríamos da mesma forma. A senhora da vila e o monge entenderiam o fenômeno da morte por si, sem que houvesse a necessidade de algum aprendizado prévio que os habilitasse à nova percepção. À medida que aprimoramos os sentidos e a inteligência, vamos ampliando as fronteiras da existência, compreendendo as verdades antes ocultas, dando sentido e respostas aos nossos questionamentos.
O GITA (Bhagavad-Gita) já nos revelava, há cerca de 5.000 anos, que o ser vivo é parte infinitesimal de Deus, assim como uma partícula de ouro de uma barra de ouro infinita ou uma gota de água no oceano ilimitado. É evidente que mesmo apresentando a mesma qualidade de uma grande barra de ouro, uma minúscula partícula de ouro é quantitativamente diferente, assim como uma simples gota d´água é quantitativamente diferente do imensurável oceano. Analogamente, os seres vivos são partes integrantes do supremo Controlador e possuem, em quantidade infinitesimal, todas as qualidades encontradas nele. Isto significa que, uma vez que há no Supremo Controlador a necessidade de controlar, todo ser vivo é um controlador diminuto e possui a tendência de controlar a natureza material. Por exemplo, ao ver a sua mãe cozinhar, a criança tem a tendência de imitá-la. No entanto, a criança nem sequer consegue alcançar o fogão, isto para não falar da sua incapacidade de lidar diretamente com o fogo. Então, para atender ao desejo da criança de cozinhar, a mãe lhe presenteia com um fogão de brinquedo e a mantém ocupada com a atividade de fazer comida. Do mesmo modo, dado o desconhecimento da sua condição insignificante, o ser vivo tende a imitar as atividades do Controlador Absoluto e, desse modo, deseja ocupar a posição de Supremo Controlador. Por este motivo, o Supremo cria este mundo material, onde encaminha os seres vivos que desejam imitar suas atividades de Supremo Controlador. Presos às garras de Maya (energia material ilusória) o ser vivo assume uma identidade material temporária chamada de ego-falso. Ou seja, este mundo material é um imenso cenário onde o ser vivo tem a oportunidade de se sentir um poderoso controlador e de “satisfazer” sua aspiração de tornar-se Deus.
A dor perde-se nos imemoriais tempos, desde que, esquecendo-se da sua origem divina, o ser vivo perdeu-se na ilusão da energia de natureza material, inferior por ser desprovida de consciência, sujeitando-se a todo tipo de vicissitudes. Esta natureza ilusória compreende sucessivas etapas de manifestação, com intervalos na erraticidade, através dos quais os seres vivos empreendem as diferentes e necessárias experiências de aprendizado, visando o seu retorno ao lar, à consciência do ser divino que habita em nós, como condição de parte infinitesimal de Deus. A expulsão do paraíso, após o episódio da tentação do fruto proibido da árvore do conhecimento e da razão, motivou a saída desta consciência das sombras do seu estado imanifesto, indo ao encontro da luz de uma realidade que se construiria após inúmeros sucessos e fracassos das suas escolhas. A tendência natural da consciência é voltar ao estado original, acompanhada agora de uma individualidade consciente das suas reais potencialidades, revelando as qualidades do ser divinal que habita em nós.
Obviamente, que esta jornada não se traduz na interpretação dos textos sagrados, das escrituras, dos textos dos pseudo-sábios, nem das repetições automáticas destes conteúdos, mesmo que acompanhados de voz empostada e olhar enigmático. Ao espalharmos os conteúdos edificantes como meros alto-falantes no nosso ego inteligente, corremos o risco de não nos ouvir quando dos atos por nós praticados, nos descobrindo nas incongruências entre o falar e o agir. Contudo, as boas práticas nos falam dos quatro ciclos do aprendizado: captação, racionalização, meditação e ação. Na captação, recolhemos, de forma consciente ou inconsciente (criptomnésia), os ensinamentos e regras, sem nenhuma atuação consciente sobre estes conteúdos; depois de captados, racionalizamos, no momento oportuno, sobre os acervos adquiridos em nossa mente, encontrando na lógica um motivo para incorporação; a meditação dá o sentido (sai do sistema cortical para o sistema límbico) e abre caminho para adoção destas práticas em nossas vidas; o ato final é a ação que, em sua continuidade, tornar-se-á um hábito. Este será incorporado a uma psique global, por ressonância, gerando conteúdos inconscientes de toda a coletividade (inconsciente coletivo). Agir sem conteúdo edificado em nosso íntimo nos leva à falsa impressão de mudança, castelo de areia na beira do mar, e serve apenas para alimentar a nossa frustração de não conseguir nos livrar das heranças atávicas, fortalecidas pelas derrotas pelo o mal que campeia em todos nós.
Assim como uma nuvem no céu não impede o sol de brilhar, a ilusão material não impede de haver imanente em nós a essência de Deus. Sofremos por desconhecemos o que somos, de onde viemos e para onde vamos. Sofremos porque precisamos encontrar as fronteiras da alteridade, delimitando a nossa individualidade. Sofremos por ser este o preço que pagamos por nos apartarmos da essência divina para excursionarmos na natureza material. Sofremos pela suposta perda de “coisas” que não nos pertencem, das frustrações do ego dominador; sofremos por tudo, menos por conta da nossa verdadeira luz. Esta não nos causa dor; esta nos liberta!
O tempo que transcorre como lastro para o exercício da bondade, da paixão e da ignorância, cria a ilusão material do nosso mundo de brinquedo. Ao morrermos, estas qualidades desaparecem, posto que são epifenômenos cerebrais, ressurgindo a consciência plena de nós mesmos, ainda não adaptada à essência divina. Muitas existências depois... Quem Sabe?
Sofrer é opção dos sentidos. O tempo destruirá todos os planos materiais, vida após vida, não nos restando senão as lições aprendidas e apreendidas. Portanto, sejamos felizes. Tornemos o sofrimento o que ele realmente é: uma sensação ilusória e material de algo que jamais fomos.
Liberdade, Liberdade! Abra suas asas sobre nós, para com elas podermos voar de volta para casa, no centro do Eden, onde existe uma árvore ainda não consumida por nossos desejos, a imortalidade, cujos frutos haverão de prolongar a imensa alegria proporcionada por nosso derradeiro encontro com Deus.

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