sexta-feira, 19 de abril de 2013

A Figueira e o Homem que Secou (Paulo de Tarso)


A Figueira e o Homem que Secou
(Paulo de Tarso)

Quando olhamos as parábolas de Jesus, certamente somos tentados a vê-las com os olhos acrobáticos da leitura mais amena e superficial. Tomamo-las como historietas contadas pelos escribas do evangelho, adaptadas ao peso dos anos, torcidas ao sabor da interpretação dos copistas e tradutores e, caminhamos sempre com a premissa que, se forem palavras doces, foram tiradas diretamente do pensamento do divino mestre e, se amargas, certamente foi por conta de erros, interpretações duvidosas ou para que ali se processasse a vontade de Deus.

Certamente, o caminhar da humanidade pela terra, levou o homem consciente de si a buscar verdades onde a sua razão não conseguia alcançar. Por falta absoluta de respostas às suas indagações à natureza, delegou ao seu deus, com “d” minúsculo, a explicação de todas as elucubrações. Criou os deuses do céu, da terra, das águas doces e salgadas, criou o deus da vida e da morte, criou até o deus do vinho. No panteão dos deuses gregos habitavam seres divinos com defeitos morais humanos. Raiva, ira, rancor, ciúmes, ódio, dentre outros, formavam o caldeirão das deidades imaginárias que serviam apenas para responder as inquirições do homem questionador, sem que lhe fosse possível estabelecer qualquer sentido útil destas conclusões para a sua vida espiritual.
Criaram-se leis, tais quais aquelas propugnadas a Moisés, e deram a elas origem divina, como resultado de uma relação direta de causa e efeito pelo não cumprimento destas; formaram-se códigos de conduta humana, muito necessários nos longevos anos, através dos quais seguimos como se tais fossem orientações em busca do encontro com o divino. Externalidades humanas na forma de leis divinas. Enfim, o homem, por não conseguir se encontrar com a sua verdade interior, da mesma forma que quando se achou diante de uma natureza perturbadoramente nova e  misteriosa, buscou as respostas de si em um deus, agora unificado, cujo único caminho do encontro seria o fiel cumprimento das suas leis. 

Neste tempo das parábolas,  nascia em uma casa ampla e luxuosa um menino feio. Nascido da união de Hillel Ben Baruch e Débora Bas Shebua. Ele, um fariseu ortodoxo, e ela, uma  mulher firme e decidida da sua condição de livre pensar, formavam a família do menino de sobrancelhas vermelhas, cabelos idem e olhos azuis, cujo semblante revelava um perfil inquiridor, enigmático, do tipo que daria trabalho no futuro a qualquer que fosse interposto ao seu caminho com ideias diferentes das suas.

Hillel e Débora recebiam frequentemente convidados à sua mesa para deleite das iguarias quase sempre bem elaboradas (exceto quando outros ortodoxos iam lá e Débora fazia questão de honrá-los com um banquete de comida fria e frugal). Nestes jantares, Hillel lembrava-se de Ali, seu cunhado romano que, embora viril soldado, possuía alma tranquila e sensível de poucos humanos. Ali, recordava Hillel, contava que certo dia em uma daquelas visitas à varanda da sua casa, avistou sobre Belém uma estrela muito brilhante e que, tal qual chegou, como se fizesse as honras de algum trabalho iniciado, retirou-se abruptamente após havê-lo concluído. Ali revelava a Hillel o que este achava ser o sinal de que o mensageiro da esperança havia chegado á terra.
Neste clima suave de ensinamentos das leis de deus, aliado a extrema sensibilidade dos dedicados pais,  Shaul de Tarshish crescia para tornar-se um homem da lei. Um fiel cumpridor da lei de deus e um guardião das suas tradições. Formava-se um guerreiro das palavras, em cujos embates só haviam perdedores. Um profundo conhecedor das leis e códigos de conduta humana, futilmente atribuídos a Deus (este com letra maiúscula). Shaul preparava-se para os grandes embates da sua verdade e, para tanto, deveria estar preparado.

Distante dali, Ioshua Ben Yosef, filho de Yosef Ben Jacob e Maria, filha de Eli e Ana, o anunciado pela grande estrela, tornava-se um rapaz. Junto com o seu primo Yocanaãn Ben Zacharias haveriam de anunciar ao mundo a boa nova, o caminho verdadeiro da vida. Ioshua inicia a sua trajetória aos 30 anos, quando vai ao deserto para, em meditação, encontrar-se com o ser cristico que havia dentro de si. Ao sair de lá, não era mais o menino que atravessava desertos, que estudava escrituras. Agora era Jesus, o Cristo, mensageiro da imensa paz.
Andava Jesus curando corpos e salvando vidas, abrandando o sofrimento com gestos e pouquíssimas palavras. Ele era um exemplo encarnado do reto ser, do reto agir, do reto pensar. Vivia a sua verdade sem necessidade de nenhuma externalidade. Contrariava aqueles que, diferentemente dele, pregavam a adesão aos instrumentos externos, às palavras. Ao vazio de ter sem ser. Jesus era a perfeição do ego estabilizado e centrado na essência do si mesmo. Um modelo psíquico a ser almejado por todos os homens.

Falava por parábolas, para os homens do ontem e do agora.

Certo dia, chegando à Betânia, nas proximidades de Jerusalém, já em seus derradeiros dias sobre a terra, Jesus teve fome. Não era tempo de figos e lá estava uma figueira cheia de folhas. Jesus vai até a figueira e estende a mão para apanhar figos. Mas nada havia. Então Jesus lhe diz: “Que ninguém mais coma frutos de ti”. E se foi. No outro dia, quando saiam, os seus discípulos dizem: Mestre, olha lá a figueira que tu amaldiçoaste, secou até a raiz. E Jesus então redargui: isto é para que compreendam que  se tiverdes fé, ordenarás a esta montanha ponha-se daqui para acolá e esta se moverá.
Um olhar desavisado sobre este episódio e poderíamos supor ser Jesus um homem exibido que gostava de mostrar o seu poder aos seus discípulos.  Contudo, como conhecemos a sua verdadeira índole, sabemos que o que ele sempre fazia era aproveitar tudo e todas as coisas para dar exemplo. Começou nascendo, como rei esperado, em uma manjedoura ao invés de em um palácio e não escreveu nada, de forma que a sua mensagem não fosse apenas lida; fosse presenciada e entendida. Assim, diante deste fato, jamais podemos pensar nesta figueira como uma arvore que morreu inutilmente. A figueira foi um exemplo da transformação de um homem que é apenas folhas (externalidades) e que, para nascer e florescer no tempo certo, deve secar (desprover-se dos seus artifícios exteriores de afirmação do ser) até a raiz. O homem deve desconstruir-se para se reerguer. Não há transformação espiritual sem desconstrução/reconstrução existencial.  De forma simples e fática, nos mostrou, mais uma vez, como fazer o caminho para a verdade e para a vida.
Daí, porquanto atormentava aos homens com suas mensagens desconcertantes, Jesus foi morto covardemente por aqueles que  não queriam desfolhar-se para renascer.

Shaul prossegue com a sua jornada e chega à Jerusalém pronto para fazer aquilo que mais sabia – cumprir a lei de deus. Jovem, rico, inteligente, poderoso e orgulhoso de si, Shaul de Tarshish tornou-se um membro importante do sinédrio e, como querendo apoiar-se mais e mais em suas convicções, partiu para empreender uma caça àqueles que não criam em seu deus e não obedeciam as suas leis. Cristãos, estes eram o seu alvo.
Perseguiu, condenou levando a morte, inúmeras vozes que se rebelavam contra a tirania da razão desprovida de razão, mas que, obliteradas pelo poder de Shaul, tornavam-se frias e frágeis presas das leis protetoras das sociedades equivocadas. Mas, o que Shaul não sabia era que se tornaria presa de uma outra condição humana, tão física quanto as demais necessidades fisiológicas do corpo. Shaul apaixonou-se por Abigail, jovem egressa das mazelas da tirania romana que a tinham tirado o seu pai e seu irmão Jesiel, este feito escravo ainda menino, perdido na sorte dos tempos que tudo leva. Apaixonado, shaul vai propor a Abigail que se torne a sua noiva e, em seguida, consorte para um destino comum nos privilégios da corte. Ela, frágil menina, vai impressionar-se pela possibilidade de viver esta nova vida, apaixonando-se por aquele rapaz gentil e atencioso, que lhe prometia a todo instante recuperar, custasse o que custasse, o seu irmão para um novo convívio familiar.

Em um dia comum de julgamento dos seus ameaçadores inimigos, Shaul vai ao sinédrio para encontrar-se com Estevão, Cristão convicto e ciente na nova ordem espiritual da terra. Shaul debate sem sucesso com o seu opositor, vendo o seu rol de argumentos convincentes esgotar-se diante de uma absoluta convicção de fé, de racionalidade existencial e profundidade espiritual, sendo levado ao extremo das suas forças, capitulando ante a ira daqueles vencidos em suas próprias limitações. Estevão vai ser condenado à lapidação pública, para deleite dos seus algozes e supremacia de um deus formado por leis.
Em festa pública, como era costume, Shaul convida a sua amada para um banquete dos sentidos, apreciando a morte de mais um inimigo do sistema. Abigail vai, à pedido do seu noivo, e lá vai ser honrada pelo cumprimento da promessa daquele que a dizia amar. Ao olhar os olhos de Estevão, Abigail viu Jesiel, quase morto pelas pedras atiradas pelos que não tinham pecados, rogando a Shaul que permitisse o tão esperado encontro. Contrariado, Shaul leva Abigail ao encontro do seu suposto irmão, ocasião em que, o agora  Estevão, poderá revelar toda a bondade da existência pautada no encontro com Jesus, perdoando a todos. Morre Estevão e, com ele, o “amor” de Shaul por Abigail. A partir daquele momento, Shaul não poderia mais conviver com aquela que era irmã do seu mais novo adversário. Se as externalidades deste homem o impediam até de sentir um amor fisiológico, o que dizer do amor espiritual?
Abigail, frágil e triste, convalesce às custas da saudade do ser amado, reconfortada apenas nas doces palavras de Ananias, um forte divulgador da nova doutrina. Convertida, em seus últimos estertores, vai encontrar um Shaul arrependido, quase ciente da sua vacuidade interior, para morrer em seus braços arrependidos e sem esperança.

Mais uma vez, a vingança.

Shaul vai ao encontro de Ananias, em Damasco, com uma caravana pronta para continuar a sua empreitada contra a inexorável verdade. Na entrada da cidade de destino, vê uma luz (ilumina-se) e cai (sucumbe diante da verdade).  Ali está um homem restrito à sua cegueira (sem visão da realidade de si), prostrado e vencido ante a um Cristo renovador e implacável. Cai Shaul - também chamado de Saulo - renasce Paulo. “Shaul, Shaul, por que me persegues?” – diz a voz da sua consciência. “O que quer que eu faça?” – agora um homem, restrito à nulidade do seu ser, que se reorienta para um novo recomeço. Humildade e verdade  quando juntas não podem ser desconsideradas.  Eis a figueira de Jesus. Vencido e convencido da nulidade das suas aparentes folhas, Shaul  se vê sem os prometidos frutos e reduz-se, até a secura da raiz, para iniciar uma nova trajetória rumo à outra vida.
Paulo despe-se da vaidade, do orgulho, dos bens materiais e até inestimável capacidade de oratória de Shaul. Vai ao intimo do ser e renasce, para dar, no tempo certo, folhas e frutos, conforme esperam aqueles que o procuram as figueiras, na primavera ou no verão, em busca de sombra e alimento.

Por fim, Jesus acrescentava àqueles discípulos crentes de qualquer verdade. “Isto fiz para que vocês compreendam que, se tiverem fé, poderão ordenar àquela montanha – Ponha-se daqui para acolá – e esta os obedecerá”. Mais uma vez, sem perda das palavras que o tempo não conseguiu esconder, Jesus diz para os seus discípulos que os mandamentos de “amar ao semelhante como a si mesmo, dando a outra face quando esbofeteado, perdoando a todas as ofensas” em nossa jornada pela ditadura do Ego, não são fáceis de serem seguidos. Tal como montanhas, nos fixamos em nossas convicções morais e existenciais, sendo, para alguns, impossível mudar. “Se tiverdes fé”, assim falava o mestre, “nada lhes será impossível”. Assim, a segunda metade desta parábola indica que, para secarmos para o renascimento temos que ter fé e acreditar em uma nova oportunidade a cada manhã.

Mas, fé em que mesmo? 

Fé no que verdadeiramente somos. Fé na existência espiritual, na imortalidade da alma, no aprendizado da evolução.  Fé de que estamos aqui para amar e perdoar; de que somos filhos de Deus (este com D maiúsculo) e que temos a sua semente no íntimo do nosso ser. Se acreditarmos que a busca está em nós e não nas externalidades, encontraremos, tal qual Ioshua Bem Yosef encontrou o Cristo, esta luz brilhando embaixo do velador das nossas ilusões.
Sejamos figueiras, prontas para secar e renascer. Acompanhemos Shaul, Ioshua e tantos outros: Gandi, Dulce, Tereza, José, Francisco, Pedro, nesta jornada em busca da verdadeira essência e, enfim, sejamos felizes, realizados na plenitude do paraíso que Deus criou para todos nós.

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