sábado, 16 de março de 2013

Ação e Reação (Paulo de Tarso)


AÇÃO E REAÇÃO
(Paulo de Tarso)

Saturnino Pereira era um homem bom e simples. Trabalhava com afinco em uma casa espirita nos horários em que lhe permitia o seu emprego de operador de máquinas numa indústria da pequena cidade. Um belo dia, Saturnino, por um descuido destes de se arrepender, teve uma parte de seu dedo indicador direito amputado por um golpe certeiro da lâmina de corte do aparelho sob sua responsabilidade. Foi uma comoção geral.
Como pode Saturnino, um homem tão bom, receber tamanho castigo em um dia de trabalho limpo e honesto?
Perguntas como estas, trazidas ao nosso conhecimento pelo Espírito de Hilário Silva, pela pena mediúnica de Chico Xavier e Waldo Vieira, nos levam a questionar as situações do quotidiano (aquelas que nos acontecem quando menos esperamos), tentando o entendimento de onde terá vindo o merecimento pelas provas às quais somos diariamente submetidos.
Carma, normalmente é a palavra que nos vem a mente quando pensamos nisto. Esta palavra, que em sânscrito significa “ação”, é também conhecida como “Conta do Destino”, acúmulo de débitos e créditos que visam resguardar o espirito em evolução da possibilidade de ficar algo de fora dentre as nossas debilidades morais, que não tenha sido devidamente ajustado, aprendido, assimilado e se tornado virtude, constituindo-se patrimônio inequívoco de um ser iluminado.
Quando questionamos o Carma acerca das vicissitudes, normalmente nos colocamos em uma atitude passiva e vitimizada. “Este é o meu Carma”-  assim afirmamos qual sentença inexorável,  como se, vítimas, encontrássemos ai uma desculpa pelas perdas e danos experimentados por nós nesta vida.
Quando evocados os espíritos guias de Saturnino, estes lhes afirmaram que, em verdade, a sua “conta do destino” o havia livrado de um destino adrede combinado, cujo teor seria a reparação através da perda do braço mais importante, de um ato cometido em vidas passadas – Na qualidade de empregador, houvera dilacerado intencionalmente o braço de um colaborador seu em um engenho manual, fato que o levou a um sentimento de culpa dilaceradora, que o atormentou por toda a sua intermissão, fazendo-o ver, em uma imagem aterrorizadora, o sangue do inocente misturado ao melaço.  Como reparação, solicitara aos seus guias uma vida simples, onde um acidente o privasse do seu braço mais importante. Contudo, a Lei Divina, a qual conduz as consciências à perfeição através da educação, lhe poupara do destino programado, dadas as positivas contribuições de Saturnino em prol do bem.
Desde a antiguidade, o homem busca simbolizar a relação que possui com o seu juízo de consciência, através da simbologia dos tribunais celestes, com seres a julgar as ações praticadas na vida, sentenciando ao céu ou ao inferno aqueles que seguissem ou descumprissem determinado conjunto de preceitos estabelecidos. Nas doutrinas cristãs, a figura do Juizo Final se coloca como o ponto de reflexão de todos os seres quanto aos atos praticados. Simbolicamente, puseram a figura de São Pedro às portas do Céu controlando aqueles que podem entrar ou não neste reino.  No Egito antigo, há cerca de 4.000 anos atrás, aqueles que tinham posses e que acreditavam na eternidade do Espírito, encomendavam aos sacerdotes que lhes preparassem o seu privativo “Livro dos Mortos”.  Vigia a crença que a alma, após chagar no submundo espiritual (DUAT), seria confrontada com entidades malignas que o atormentariam. Se o desencarnado não estivesse bem guiado, poderia perecer (já se falava da segunda morte). Neste estágio, o espirito lutaria contra estes inimigos do além, usando os encantamentos do livro, o qual o guiaria certamente à vitória contra Cerasta (a cobra mais mortal do universo) ou Ancharo (o escaravelho devorador dos mortos).  Anubis, a deidade que acompanha os mortos, recepcionaria o viajante para a jornada até o vale dos juncos, iniciando o ato com a celebração do que se chamava “Cerimonia da Abertura de Boca”. Com uma faca, Anubis abria os sentidos da alma do morto para que ela pudesse interagir no mundo espiritual de posse de todas as suas faculdades físicas e mentais.
Para os egípcios era o coração a sede da alma e, por isto, o ato de embalsamamento do corpo incluía a colocação do Escaravelho (luz do sol) com escrituras que atestavam a boa conduta do morto (“não matou, não roubou, não cobiçou a mulher do próximo...”) para que fosse apresentado no mundo espiritual a quem que interessasse pudesse. Além disto, um seixo era colocado sobre o peito do morto para que, na ultima fase dos testes aos quais seria submetido, este fosse confrontado com a Pena da Verdade. Da entrada no mundo espiritual até a porta que o campo dos juncos, a alma deveria passar por 42 pórticos, onde deveria responder às “Confissões Negativas”, uma série de testes de ordem moral que avaliam a grandeza da vida do desencarnado. Em cada um destes pórticos, um escorpião zelava pela boa resposta, devorando aqueles que não respondessem adequadamente às perguntas. Na ultima porta, localizada na sala da justiça, Anubis pegaria o seixo do coração que o moribundo trouxera até ali e confrontaria na balança da justiça em relação a pena de MAAT, a deusa do equilíbrio, da justiça e da verdade. Caso o coração pesasse mais ou menos do que a verdade, Ahmit, o devorador de espíritos, cessaria a sua existência.
Mais, tarde, no Tibete, um místico por nome PADMASAMBAVA, escreveria aquilo que ficou conhecido no ocidente como o Livro Tibetano dos Mortos. Nele, os versos entoados pelos Monges, durante 49 dias, levariam o desencarnado até o fim da jornada da erraticidade, culminando com o retorno à vida (reencarnação), evitando a submissão ao mundo das trevas. Pelo livro, o espirito passaria por 3 fases ou Bardos, onde o primeiro, a luz da iluminação iniciava o viajor em sua caminhada. Em seguida, era apresentado às Deidades Pacíficas, as quais lhes seduziriam ao mundos dos prazeres sensuais. Caso sucumbisse, seria apresentado às “manifestações especulares” destas deidades, as chamadas “Deidades Iradas”. Todas fruto da imaginação e da consciência do Espirito. Ao final, como terceiro Bardo, seria colocado diante de IAMA, a Deusa da Morte, a qual iria contabilizar em seixos (brancos e negros) os atos positivos e negativos praticados pelo indivíduo. A depender, poderia ascender ao céu (mundo dos deuses), retornar à terra (desejo maior dos Tibetanos) ou ir ao submundo das entidades perturbadas, onde um ser, por exemplo, com corpo grande e pescoço fino iria sucumbir diante de desejos nunca satisfeitos.
Há cerca de 150 anos, os Espíritos vieram trazer à luz da consciência humana, um tratado que representava ao tempo moderno toda a simbologia destes cultos antigos à morte, os quais, à sua época, vinculavam magia, ocultismo e mistério, bem ao peso das consciências dos homens de então. Contudo, agora, no advento de um período positivista, onde o homem buscaria a certeza das coisas nas suas evidencias mais perfeitas, não bastavam novas crenças e passos mágicos na condução das almas ao além.  Seria necessário que se fizesse uma revelação completa, envolvendo ciência, filosofia e religião, mostrando a verdadeira lógica da existência e realidade da vida espiritual.
É no Espiritismo que encontramos a releitura do Carma e dos desígnios das provas dele decorrentes, estando eles sob a égide de uma Lei de Causa e Efeito, também chamada de Lei de ação e Reação, à exemplo do que já foi apresentado à materialidade pela 3ª Lei de Newton (Toda ação corresponde a uma reação em sentido contrário e mesma intensidade).   Por esta Lei, onde se processa a justiça divina, os espíritos poderíamos evoluir à medida em que expungimos os erros cometidos no passado. Este reflexo (reação à ação adrede realizada) poderia ser realizado nesta ou em outras vidas.
Ao lembrarmos de Saturnino, alguns materialistas costumam dizer que a crença em Leis, como as de Causa e Efeito, seriam uma forma do homem finito aceitar as agruras normais da vida sem a perda da esperança. Aceitamos tudo que nos acontece, pois, com certeza, merecemos. Porém, a lógica é justamente contrária a tal afirmação. Primeiro, que a doutrina nos traz, em formas mais diversas, a comprovação de que a vida não se encerra no decesso carnal. Assim, a eternidade do Espirito (quer seja por questão de Fé ou pela Lei de Conservação da Energia) é um fato que não se pode negar. Assim, ação da Justiça Divina coloca no autômato da consciência a aplicação dos seus pressupostos. Sendo igual e justa, se aplica a todos sem distinção e, tal qual Pai zeloso, Deus não vê nas provas a nós submetidas nada além da educação e do aprimoramento.
Todos temos esta contabilidade e, por ela temos que zelar. Um grupamento de ações positivas irá diminuir os impactos de outro grupo de ações negativas. Assim entendidas como atos e pensamentos (intenções) realizadas em e por nós. O que fazemos a terceiros, a nós nos sucumbimos, sendo necessário o arrependimento, a expiação e o aprendizado para que possa “sumir” da nossa conta cármica. Se nos entendemos Espíritos e sujeitos a esta inexorável lei, haveremos de pensar melhor nas nossas vidas e nossas escolhas. Este é tal o fundamento em que sustenta a máxima: “Fora da Caridade não há Salvação”.
Em seu livro, O Céu e o Inferno, Allan Kardec nos traz, nas páginas 90 e seguintes, a revelação do código penal da vida futura (a qual assevera ser a de todos nós). Em 33 artigos ele atesta o que seriam os condicionantes de aplicação da Lei do Carma, em uma linguagem simples e fácil de compreender.
Passado, presente e futuro, qual seja a época, o homem que buscou incessante por sua verdade existencial, tem agora os fundamentos dos pressupostos mágicos que nortearam nossos ancestrais. Pedro, um outrora pecador (Não teria Pedro negado Jesus três vezes e decepado a orelha do soldado Malco o qual cumpria a ordem de prisão dada a Jesus, sendo alvo de uma reprimenda imediata do seu mestre?), tornou-se a pedra sobre a qual os cristãos erigiram a sua igreja; Paulo, o perseguidor de Jesus, foi em vida transformado naquele que por cujos pés caminharia o evangelho sobre a face da terra; Agostinho, o herege e contumaz pecador na carne, na carne se fez porta-voz das mais belas releituras dos textos sagrados, tornando-se um dos trabalhadores de primeira hora na codificação Espírita. Da mesma forma, cada um de nós. Sempre é tempo para aderirmos ao nosso certo destino, o qual insistirá em vir ao nosso encontro, se não nesta em outras vidas, pois, já que olhamos no tempo, ouçamos a voz de André Luis nos dizendo que “Qualquer dia é dia para criar destino ou reconstruir destino, de vez que todos somos consciências responsáveis”[1], o sábio Confúcio da antiguidade afirmando "Não faça aos outros o que você não quer que seja feito a você." e, certamente, poderemos entender as palavras doces do nosso insigne Mestre que dizia “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes”.[2]

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